terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Eterna Cassia Eller


Há 8 anos(29 dez 2001) morria uma cantora peculiar... pra mim, uma das cantoras de maior atitude. Q arriscava, ousava e balançava... Fantástica.

Fica o vídeo contando um pouco de sua historia.


sábado, 26 de dezembro de 2009

Mudar é fundamental


Esse post vai em uma época oportuna, num período de fim de ano de muitos planejamentos... mas não esqueçam de mudar. E para celebrar a mudança segue essa linda poesia da C. Lispector.



MUDAR, por Clarice Lispector


Mude, mas comece devagar,
porque a direção é mais importante
que a velocidade.

Sente-se em outra cadeira,
no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa.

Quando sair,
procure andar pelo outro lado da rua.
Depois, mude de caminho,
ande por outras ruas,
calmamente,
observando com atenção
os lugares por onde
você passa.

Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas.
Dê os teus sapatos velhos.
Procure andar descalço alguns dias.

Tire uma tarde inteira
para passear livremente na praia,
ou no parque,
e ouvir o canto dos passarinhos.

Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas
e portas com a mão esquerda.

Durma no outro lado da cama...
depois, procure dormir em outras camas.

Assista a outros programas de tv,
compre outros jornais...
leia outros livros,
Viva outros romances.

Não faça do hábito um estilo de vida.
Ame a novidade.
Durma mais tarde.
Durma mais cedo.

Aprenda uma palavra nova por dia
numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos,
escolha comidas diferentes,
novos temperos, novas cores,
novas delícias.

Tente o novo todo dia.
o novo lado,
o novo método,
o novo sabor,
o novo jeito,
o novo prazer,
o novo amor.
a nova vida.

Tente.
Busque novos amigos.
Tente novos amores.
Faça novas relações.

Almoce em outros locais,
vá a outros restaurantes,
tome outro tipo de bebida
compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo,
jante mais tarde ou vice-versa.

Escolha outro mercado...
outra marca de sabonete,
outro creme dental...
tome banho em novos horários.

Use canetas de outras cores.
Vá passear em outros lugares.

Ame muito,
cada vez mais,
de modos diferentes.

Troque de bolsa,
de carteira,
de malas,
troque de carro,
compre novos óculos,
escreva outras poesias.

Jogue os velhos relógios,
quebre delicadamente
esses horrorosos despertadores.

Vá a outros cinemas,
outros cabeleireiros,
outros teatros,
visite novos museus.

Se você não encontrar razões para ser livre,
invente-as.
Seja criativo.

E aproveite para fazer uma viagem
despretensiosa,
longa, se possível sem destino.

Experimente coisas novas.
Troque novamente.
Mude, de novo.
Experimente outra vez.

Você certamente conhecerá coisas melhores
e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa.

O mais importante é a mudança,
o movimento,
o dinamismo,
a energia.
Só o que está morto não muda !

Repito por pura alegria de viver:
a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!!!! "

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Google e suas ferramentas


Essa semana resolvi utilizar dois "lançamentos"(pra mim, é claro) do google: google WAVE e google SINDE WIKI. Bom, a primeira é fantástica, pois permite uma comunicação não linear... Diz que se o e-mail fosse feito hj, ele viria igual ao Google WAVE. É muito interessante e promete muito essa ferramenta. ela te dá uma possibilidade de uma comunicação rica e transversal e instantânea.
Quanto a segunda, o SINDE WIKI, este veio pra anarquizar ainda mais a internet. É simples de usar, basta instalar a barra de ferramenta do google e utilizar o mozila como navegador. Com essa ferramenta, vc poderá postar comentarias em qlqr site que vc tenha interesse sem passar por "moderação" do proprietário. Mas para desfrutar dos comentários da galera, vc terá que ter instalado a barra de ferramenta do google, q por sinal, tem uma serie de outras funcionalidades bem interessante e praticas. Então, todas as pessoas que tem a barra instalada, poderá comentar em qlqr pagina e outros usuários do SINE WIKI poderão ler.
o programa pode ser baixado no seguinte site: http://www.google.com/sidewiki/intl/pt-BR/index.html#tbbrand=

Qlqr duvida qnto a utilização dessas ferramentas, só deixar um recado q compartilho o pouco que aprendi.

compartilho dois vídeos bem esclarecedores




quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Um dia sem eletricidade






Um dia sem eletricidade
Por Francisco

Eu gostei do apagão.

Foi maravilhoso olhar pela janela e perceber a completa ausência de aparelhos de televisão ligados num raio de muitos quilômetros.

Ninguém gritando gol, ninguém chorando o drama da novela que reconta a mesma história pela enésima vez. Ninguém olhando para seu eletrodoméstico favorito com a expectativa de quem aguarda o fato que mudará sua vida. Nenhum jornalístico televisivo anunciando em tom dramático notícias horrendas escolhidas a dedo para instilar o mais absoluto pavor nas mentes de todos. Ninguém fazendo da televisão uma companhia permanente, repetindo de tal forma o hábito a ponto de torná-lo um vício. Ninguém sacudindo a perna, esperando ansioso o intervalo comercial para fazer xixi.

Silêncio, que beleza. Potencializado pela introspecção, tão necessária mas tão rara, ocasionada pela escuridão.

Também havia pessoas conversando em tom de voz adequado e pais dialogando com seus filhos, algo que talvez não ocorresse desde… quando, mesmo?

A infância num lar onde a tv ocupava o centro das atenções foi dolorosa. Quantas vezes fui dormir tomado de terror pelas reportagens que acabara de ver no Fantástico. Fora os horrorosos filmes policiais, novelas e programas de auditório. Eu não tinha escolha.

Visitar uma amiga culta, certo dia, foi revelador. Pela primeira vez estava numa casa em cuja sala não havia aparelho de tv. Estranhei a princípio, mas notei que todos conversavam e todos se ouviam. Que diferença.

Deixei de assistir tv há mais de 15 anos e não me faz a menor falta. Quanta diversidade ao meu redor, quantas amizades, idéias a compartilhar, quanta natureza, cores, flores, carinho, boa música, gentileza, arte. Quanta alegria! Eu não via, embriagado que estava pela hipnose do eletrodoméstico.

Que esse tempo sem tv possa ter sido longo o bastante para permitir a outros a tomada de consciência de que existe, sim, vida fora da telinha, e muita.

Tenho para mim que o Criador, em sua infinita sutileza, causa periodicamente essas interrupções elétricas a fim de generosamente nos oferecer oportunidade de lembrar que não existimos para passar a vida diante da televisão. Vida não é o que aparece na tv nem o que acontece às pressas durante os comerciais. Viver é muito mais.

A vida sem televisão é incomparavelmente melhor.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

CAETANAS BOBAGENS


CAETANAS BOBAGENS
Marcos Bagno – Outubro de 2008

Caetano Veloso é um dos mais brilhantes letristas, compositores e cantores da nossa música popular. Mas ele não se satisfaz com isso. Também quer ser sociólogo, antropólogo, filósofo, historiador, ensaísta, cineasta, teólogo, crítico literário… Recentemente, decidiu falar de lingüística. Com a petulância dos mal-informados e a arrogância das celebridades, acredita que por ter lido Saussure em meados do século passado está autorizado a dissertar sobre e, principalmente, contra os lingüistas profissionais. Vá estudar, Caetano: a ciência da linguagem já passou por muitas revoluções epistemológicas desde 1916. Ou não se meta a falar do que não sabe, dizendo que sabe.

Não tenho como debater todas as bobagens que ele escreveu e que as caetanetes se apressaram, gotejantes, em elogiar. Me restrinjo à defesa que ele faz dos falsos gramáticos que invadiram a mídia brasileira na última década e meia. O problema que os lingüistas apontam no trabalho dessas pessoas é que elas apregoam um estereótipo tosco, rígido, estreito e, finalmente, mentiroso de “língua certa” que não corresponde aos usos reais e efetivos nem sequer das nossas elites urbanas mais letradas. Formas lingüísticas usadas há mais de um século e consagradas na obra dos nossos melhores escritores são sistematicamente combatidas por esses gramaticóides como “erros”, “desvios” e “impropriedades”. Opções que aparecem na própria escrita poética de Caetano são veementemente condenadas por eles. Ou não? “Deixa eu cantar pro meu corpo ficar Odara”, por exemplo…

Os lingüistas não são populistas nem demagogos. Essa é a acusação tacanha de quem só lê pela metade o que nós escrevemos, se é que lê. Defender as variedades lingüísticas das camadas desprestigiadas não significa dizer que esses cidadãos não devem ter acesso a um grau mais elevado de letramento (não sabe o que é letramento? vá estudar!). Todos os lingüistas que conheço (e conheço muitos) lutam pelo pleno acesso dos cidadãos às formas prestigiadas de falar e de escrever. Acontece que essas formas prestigiadas reais não são o modelo estúpido e jurássico de “português correto” que os falsos gramáticos tentam inculcar em suas manifestações na mídia. Há um abismo profundo entre a verdadeira norma culta brasileira, falada e escrita pelas nossas camadas privilegiadas, e a “norma oculta” que os gramaticóides defendem. É contra isso que os lingüistas se batem. Os brasileiros urbanos letrados falam e escrevem uma língua que não é reconhecida como legítima, porque no nosso imaginário lingüístico vigora um ideal de correção inspirado em usos literários lusitanos de meados do século XIX. Se você não fala como Eça de Queirós escreveu, está tudo errado! Até quando, meu pai Oxóssi?

Infelizmente, quando o assunto é língua, até mesmo as pessoas mais inteligentes se deixam engambelar por aquilo que os estudiosos de língua inglesa chamam de “folk linguistics”, um conjunto de mitos, superstições e inverdades sobre a língua e a linguagem que se entranharam na cultura ocidental e que resistem a toda contestação racional, baseada na pesquisa científica e nos dados da realidade.



Fonte: http://www.fabiocampana.com.br/2009/11/caetano-lula-e-analfabeto-pt-ele-e-pos-graduado/

domingo, 8 de novembro de 2009

A fábrica de alunos da Uniban


Por Andre Araujo

Esse tipo de universidade existe por todo o Brasil. Tres sujeitos ricos mas de escassa educação se reunem em uma praia e discutem: pessoal, temos que investir esse dinheiro, vamos abrir uma igreja, uma universidade ou uma concessionária Volks?

É desse tipo de gente que saem essas universidades.

A Uniban fazia uns anuncios na radio Bandeirantes aonde falava o vice-reitor. Como dizia sabiamente George Bernard Shaw, a linguagem é o melhor documento de identidade. O portugues do sujeito era de quiosque de praia, E era vice-reitor.

São universidades caça-niqueis, não tem qualquer espirito universitario, qualquer compromisso real com a educação, tendo capital se compram predios em leilões mal cheirosos, moveis de 3ª, professor acha com facilidade, pagou e dão aula, depois é só investir em marketing. Não tem e nunca terão espirito de universidade porque não são lideradas por educadores de verdade e sim por comerciantes para quem tanto faz escola como posto de gasolina.

Esse foi o maior erro do MEC e do CFE au autorizar esse tipo de falsa universidade. O requisito principal deveria ser o dos organizadores do empreendimento, que curriculo tem, isso é mais importante do que o dos professores e hoje não é filtro para autorizar a instituição. Não é só essa do ABC, no Rio tambem há universidades criadas por comerciantes de qualquer coisa e uma delas é das maiores do Rio.

Então esperar espirito universitario dentro de um negocio de bicheiros, sucateiros ou donos de empresas de transporte de carga, seria demais.

E não se culpe a globalização. Universidade na Europa e nos EUA é coisa séria, a esmagadora maioria não tem fins lucrativos, são fundacionais e são rigorosamente avaliadas pelo publico discente, ninguem investe em coisa ruim quando escolhe universidade para os filhos, nos EUA é rara a universidade que tenha menos de 70 anos de fundação, as grandes tem dois seculos, na Europa idem.

Por causa dessa liberalidade excessiva, confundida com democratização do ensino, temos hoje no Brasil mais de 1.200 faculdades de direito, contra 182 nos EUA e temos no Brasil mais faculdades de medicina do que toda a Europa. Estamos enganando jovens e seus pais, formando falsos preparados para nada, uma legião de desempregados diplomados, na recente inscrição para emprego de garis no Rio se inscreveram 2.000 com curso superior.

Quando aqui se discute a decisão sobre essa jovem expulsa da Uniban esta se discutindo coisa errada.

Não foi uma universidade que a expulsou indevidamente, foi um local onde era uma fabrica que faz de conta que é universidade e acha que com isso mantem a aparencia de ambiente familiar, como nos antigos “”reservados”” de bares de subuirbio, devem achar que é bom para o marketing, o ABC é de fato uma região bem conservadora.
Comentário

No começo dos anos 90, através do meu programa “Dinheiro Vivo”, na TV Gazeta, investi contra o presidente de uma associação de escolas particulares de São Paulo. Ele deu uma entrevista condenando uma decisão que obrigava a escola a aceitar alunos com deficiência física – ou coisa parecida. O sujeito era de uma truculência incontida. Quebramos o pau durante alguns dias.







Vendo as fotos do presidente da Uniban, me pareceu o mesmo típico físico. Não deve ser o mesmo. Mas alguém poderia lembrar quem foi o presidente dessa associação no início dos 90?
Por Francisco Bicudo




Caro Nassif, acho que você se refere ao famigerado José Aurelio de Camargo, que era presidente do Sindicato das Escolas Particulares de São Paulo (Sieeesp) na época, e que ao “justificar” a recusa de matrícula de uma aluna portadora do HIV (o nome da pequena era Sheila), afirmou que “crianças com Aids não precisam estudar, pois já nascem com atestado de óbito assinado”. Nojento, abjeto, deplorável e fascista.

Fonte: http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Dicas de Alimentação



Andei procurando saber um pouquinho sobre minha alimentação... cheguei a conclusão que minha alimentação não anda das melhores...

Nesse percuso me deparei com dois livros indicados por Luciana Ayer interessantíssimos: A Ética na Alimentação do Peter Singer e Em Defesa da Comida do Michael Pollan.
Vejam essas dicas:


Recomendações de Michael Pollan para uma alimentação saudável:


1. Não coma nada que sua avó não reconhecesse como comida.

2. Evite comidas contendo ingredientes cujos nomes você não possa pronunciar.

3. Não coma nada que não possa um dia apodrecer.

4. Evite produtos alimentícios que aleguem vantagens para sua saúde.

5. Dispense os corredores centrais dos supermercados e prefira comprar nas prateleiras periféricas.

6. Melhor ainda: compre comida em outros lugares, como feiras livres ou mercadinhos hortifrútis.

7. Pague mais, coma menos.

8. Coma uma variedade maior de alimentos.

9. Prefira produtos provenientes de animais que pastam.

10. Cozinhe e, se puder, plante alguns itens de seu cardápio.

11. Prepare suas refeições e como apenas à mesa.

12. Coma com ponderação, acompanhado, quando possível, e sempre com prazer.


Em breve colocarei resumos mais detalhos

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Quem se importa?

Quem se importa?

Resolvi dar uma olhadinha nos portais de Teresina e me deparo com as seguintes noticias de destaque:
Passagem de Reynaldo Gianecchini por Teresina vira caso de Polícia;
Blog do Uol tira sarro dos piauienses por causa de Priscila;
Jurados do programa 'Ídolos' reprovam Stefhany.


No primeiro caso, segundo o portalaz, a produtora chegou a falar isso aqui:

"Eu vou avisar a todos os produtores para cancelarem seus shows nessa cidade. Teresina é um C... de gente suja, cidade feia, povo feio e mal educado, bando de ladrão, cheia de gente caloteira. É por isso que eu não gosto de fazer nada no Nordeste, prefiro o Sul".

Aí fiquei pensando...a quem interessa esse tipo de notícia? Os portais “nacionais” noticiarem isso td bem, pois a mídia q era pra ser nacional e na verdade é sulista, é etnocêntrica por demais. Agora, os portais locais reproduzirem o mesmo besteirol é demais. E outra pergunta que não quer calar, pq dar tanta importância pra mídia nacional? Já estou cansado desse discurso....

Até quando teremos que viver seguinte esse modelo sulista? Quanto etnocentrismo, hein? Enquanto nós continuamos com essa marca de meio milhão de analfabetos teremos que nos submeter a isso, infelizmente. “As vezes o preço que se paga é alta demais...”

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Piaui do Futuro





- Meio milhão não sabe ler nem escrever. O problema é que muitos dos demais 2,5 milhões até sabem ler e escrever, mas não conseguem interpretar textos e/ou realizar operações matemáticas simples, fazendo o Piauí continuar sendo o covil de iletrados que assombra sua história e seus governantes

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta um dado alarmante e preocupante no paupérrimo Piauí. Dos seus quase 3 milhões de habitantes, em condições de ser alfabetizados, 563 mil são analfabetos, um percentual que chega a 24,37% com potencial de estudo, segundo os dados tabulados pelo Ministério da Educação.

O alarmante despreparo das autoridades públicas ligadas à área de Educação e da falta de visão de que só através dela haverá um maior senso crítico e mais desenvolvimento, refletem no fato do Piauí ser o segundo estado em porcentagem de analfabetos em relação à sua população.

Sem falar que o Piauí é um dos estados que mais exportam analfabetos em busca de melhores oportunidades, não raras vezes sendo escravizados Brasil afora. Números como esses são escondidos ou “esquecidos” pelo governo. Pior que o Piauí só Alagoas, que tem 25,72% da sua população analfabeta.

Aumento de Analfabetos no ano de 2008
O Piauí é um dos 11 estados mais o Distrito Federal, onde o analfabetismo aumentou, nos últimos anos, principalmente em 2008. A diferença é que no DF - onde o índice é pequeno -, há o recebimento de muitos nordestinos analfabetos, segundo o gerente do projeto de erradicação do analfabetismo do DF.

Quanto ao Piauí, ele exporta anualmente os que já têm, mesmo assim permanece com o índice alto. Uma produção que deixa impressionado quem observa índices de países africanos.

Os menores índices de analfabetismo do Brasil
Os estados que possui a menor porcentagem de analfabetos são Rio Grande do Sul (4,98%); São Paulo (4,74%); Rio de Janeiro (4,45%); Santa Catarina (4,39%); Distrito Federal (3,99%) e Amapá (3,76%).

Fonte:http://www.portalaz.com.br/noticias/brasilia/146058_ibge_-_piaui_possui_mais_de_meio_milhao_de_analfabetos.html

domingo, 13 de setembro de 2009

Hobsbawm tropeça em Nietzsche

Hobsbawm tropeça em Nietzsche
Vontade de potência é um conceito nietzschiano. Darwinismo social é uma noção sociológica. O casamento das duas é possível, mas necessariamente o filho gerado é um híbrido, um tipo de mentalidade popular, aliás, pouco versada em Nietzsche ou Darwin. Isso ocorreu? Pode-se dizer que, na esteira da transição do século XIX para o XX, a
idéia de grupos e pessoas competindo segundo o lema “que vença o mais
forte” ou “o mais adaptado” entrou nas cabeças de vários socialistas
que, diferente de Marx, nunca leram direito Darwin e, então, chamaram
isso de “darwinismo social”, contra o qual tinham de lutar. Era mais
ou menos como hoje, quando uma esquerda pouco letrada acusa tudo que
não é a sua própria doutrina de “globalização” e “neoliberalismo”.
Muitas vezes, parte dessa esquerda não sabe bem o que está falando ao
pronunciar esses termos, mas, enfim, acredita que aquilo que não é
“socialismo” é alguma coisa tão ruim quanto o que se chamava de
“imperialismo”, num passado não muito distante. Esse tipo de amálgama
de idéias, não raro, move grandes grupos e partidos. Até aí, nada com
o que se possa espantar. O problema desses amálgamas populares é quando eles caem nas mãos dos historiadores ou, mais exatamente, quando ludibriam esses
profissionais. Principalmente aqueles historiadores que, uma vez engajados demais em doutrinas, acabam por aceitar acriticamente o que é contado pelos seus objetos de estudo. Tenho a impressão que a ansiedade de Hobsbawn em produzir uma história engajada, o trai em vários de seus livros e artigos. Em relação à sua leitura de Nietzsche e Darwin, penso que ele sofreu tomou um trança-pés de sua própria
doutrina. Na página 351 de A era dos impérios, ele diz que Nietzsche, apesar de
ser cético em relação à ciência, “seus próprios escritos, e notadamente seu trabalho mais importante, A vontade de poder, podem ser lidos como uma variante do darwinismo
social, um discurso desenvolvido com a linguagem da ‘seleção natural’,
neste caso uma seleção destinada a produzir nova raça dos ‘super
homens’, que iria dominar os humanos inferiores como o homem, na
natureza, domina e explora a criação bruta”. (1)
O parágrafo de Hobsbawm, citado acima, contém tantos erros quanto o
número de afirmações. Primeiro: Vontade de poder seria o livro mais
importante de Nietzsche? Justamente o livro manipulado pela irmã de
Nietzsche! Segundo: os escritos de Nietzsche possuem uma doutrina da
vinda dos super-homens como dominadores e exploradores do homem, como
o homem faz com o animal? Terceiro: Nietzsche usa da linguagem do
“darwinismo social” e da “seleção natural”?
As três perguntas podem ser respondidas, por qualquer estudante de
filosofia de graduação, com sonoros nãos. As primeiras duas questões
já foram exaustivamente corrigidas por vários scholars, em diversas
oportunidades. É estranho que Hobsbawm tenha se mantido surdo que já
se fez nesta área. Aliás, é difícil encontrar alguém que leu Nietzsche
com cuidado ainda usar de “super-homem” para Übermench. A opção por
“além do homem” é a melhor fórmula. E menos ainda há quem fale em
“raça de super homens”. Nietzsche nunca imaginou o Übermench como uma
situação sociológica e muito menos o descreveu como uma utopia ou como
algum projeto em relação ao qual ele teria algo positivo para dizer.
Aliás, parece que Hobsbawm confunde um dos tipos de Nietzsche, o tipo
“forte” ou “saudável” com o Übermench. Então, sobrou a questão de
Nietzsche e sua relação com o darwinismo social. Este é o ponto a que
me dedico abaixo.
Se Hobsbawn está dizendo que leitores de Nietzsche o entenderam de
maneira tosca e o assimilaram ao discurso do darwinismo social, pode-
se perdoar o historiador inglês. Todavia, quando lemos mais de uma vez
o trecho que citei, vemos que ele não está falando isso. Ele
compromete o próprio Nietzsche com o vocabulário da teoria da seleção
dos mais fortes.
Há em Nietzsche algo próximo de Darwin, isso é correto. Darwin e
Nietzsche usam o conceito de luta. Todavia, no darwinismo a luta pela
vida se faz em função da conservação da espécie. Nietzsche traz a luta
para o interior do organismo individual, considerando todo o corpo
como um conjunto de quase seres vivos. Além disso, não é a conservação
da espécie ou do indivíduo que se põe como motor da luta, em geral
enfatizada em uma situação de carência. Em busca da construção da
noção de vontade de potência, ele se põe contra a idéia de vida
enquanto aquilo que seria conduzido em função da preservação. Para
Nietzsche, a vida é exuberância e, portanto, a luta se faz sem
qualquer perspectiva de autoconservação. O que parece mais forte pode,
exatamente por isso, não se preservar e, sim, sucumbir. Uma célula que
tem mais chances que outras de abraçar uma gota de água pode conseguir
o alimento em excesso e, então, vir a explodir .
Assim, se por um dia fosse verdade – o que de fato não é – que
Nietzsche pudesse ter dito que haveria uma nova raça, mais forte,
dominando a mais fraca, por conta de algo como a “seleção natural” do
darwinismo social, isso já estaria solapado pelas suas próprias noções
de vontade de potência e de vida. O darwinismo social está associado a
um melhoramento da espécie por conta de que a luta termina por gerar o
que seriam aqueles que, principalmente em situação de desconforto, se
saíram melhor em função de fazer a espécie não sucumbir. A vontade de
potência e a vida, às vezes tomadas por Nietzsche como sinônimas, vão
na direção oposta disso: são bem menos teleológicas que o fio condutor
da preservação da espécie, da idéia de melhoria da espécie medida em
função da capacidade de sobrevivência.
Aliás, é preciso notar, também, que Darwin e o darwinismo social não
possuem tantas coisas em comum quanto à primeira vista pode parecer.
Darwin fez uma bela teoria, mas o darwinismo social nunca deixou de
ser apenas ideologia. Nietzsche não quis fazer teoria ou ideologia.
Ele estava preocupado em fazer filosofia. Mas, seu objetivo nunca
deixou de ser peculiar, especial, no sentido de não repetir o modo
tradicional de ser filosofar, o modo que ele identificou como sendo o
do platonismo. Nietzsche não queria repetir a metafísica, e sim romper
com ela. Há scholars, com os quais eu tendo a concordar (2), que dizem
que o que ele queria fazer, mesmo, era uma cosmologogia. Para inovar,
Nietzsche teria imaginado voltar para antes de Sócrates e, então,
recriar de um modo novo o que havia sido posto de lado pelo
socratismo.
Pode-se dar um chute nessa cosmologia de Nietzsche. Pode-se dizer que
ela, tanto quanto o darwinismo social, nunca deixaram de ser devaneios
típicos do final do século XIX. Mas, o que não de pode fazer de modo
algum, é dizer que Nietzsche, já maduro, escreveu coisas na linha do
darwinismo social. Hobsbawn escutou demais os socialistas do século
XIX e, em vez de contar a história deles, contou a história que eles
lhe contaram. Tropeçou não como filósofo, que nunca foi. Tropeçou
feio, mesmo, como historiador.
(1) Hobsbawm, E. A era dos impérios. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
(2) Sugestão de leitura: Marton, S. Nietzsche – das forças cósmicas
aos valores humanos. São Paulo: Brasiliense, 1990.
(*) Agradeço os leitores de meus livros e os que acompanham meu
trabalho, que apontaram o Hobsbawm e sua visão de Nietzsche como
merecendo um reparo.
© 2009 Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

CAFÉ FILOSÓFICO | Entrevista com Viviane Mosé


CAFÉ FILOSÓFICO | Entrevista com Viviane Mosé

por Fernanda Bellei

Em busca da potência da vida “Não somos mais Id, ego e superego” Viviane Mosé. A psicanálise recorre à filosofia: o homem descrito por Freud não é mais o mesmo. A urgência máxima é recuperar a potência de vida, aprender a lidar com a dor, nos livrar do niilismo criado pela falta e pelos excessos contemporâneos. Em "O que pode a palavra?" a primeira palestra do módulo Deslimites, realizada em 6 de junho de 2008, a filósofa e psicanalista recita algumas de suas poesias para introduzir uma visão diferente sobre as mudanças de comportamento no mundo contemporâneo. Veja a entrevista:

Você cita a existência de mecanismos sociais de controle que culminam com a produção de pessoas impotentes. Quais são eles e como se aperfeiçoaram no mundo contemporâneo?

O principal mecanismo de controle é a criação de modelos e conceitos. Quando se privilegia muito um modelo específico de corpo, por exemplo, todos os corpos se submetem àquele modelo só que, por ser um modelo, ele não tem correspondência com o corpo, é inatingível... Além disso, há os modelos de felicidade e também os modelos que recebemos na escola: quando a escola se fundamenta nesta engrenagem, os pais são comprados pela idéia do modelo e querem que seus filhos sejam “bem sucedidos”. Nós entramos nesta engrenagem e passamos a nos alimentar com um alimento que não sacia.

Mas isso é proposital? Quer dizer que há um grupo que controla as pessoas conscientemente ou isso é algo mais subjetivo, inconsciente?

Não, é completamente subjetivo. Essa é uma boa pergunta. Esse controle não é consciente, é produto de todos nós como coletividade. A humanidade como um todo reproduz seus afetos nos seus modelos, então, esses modelos impotentes são a conseqüência da nossa imponibilidade em relação à vida. A transformação pela qual estamos passando é inédita. O Nietzsche fala da Grécia arcaica, da época da tragédia grega. Aquilo era uma experiência, as pessoas estavam lá para aprender a se relacionar com o sofrimento, para aprender o que nós temos de potência. Uma sociedade que não sabe se relacionar com o sofrimento vaicada vez mais fugir dele tentando atingir modelos. Então, olha só que sacada: mudar nossa relação com o sofrimento desabaria todos os modelos! Se a gente aprendesse a sofrer, não precisaríamos comprar tantas coisas ou mesmo se drogar tanto. É uma curva mínima que inverteria toda a estrutura social. Por outro lado, o consumo excessivo está acabando com o planeta, vai faltar alimento, então, necessariamente a sociedade vai ter que mudar o modelo, pois ela não poderá oferecer produtos para acabar com a tristeza. Percebe? O caos social que estamos vivendo é que está impondo o novo homem. Este homem que somos é o que conseguimos ser.

Você diz que “Vivemos de sobreaviso esta sobrevida que arrastamos por um fio, uma sobrevida que degenera em uma passividade que mata sem paixão, mata por nada”. Seria isto um tipo de Niilismo?

Completo niilismo! Eu nasci para acreditar na sociedade, não na vida, porque é diferente! Aí, o que a sociedade me oferece é o que eu preciso: trabalhar, ganhar dinheiro, etc, mas quando o que a sociedade me oferece já não me satisfaz, ou se eu não consigo me enquadrar a ela, nós caímos na desvalorização da vida, que é o que causa coisas como o suicídio dos jovens... O que as pessoas precisam diferenciar é que uma coisa é a cultura, outra coisa é a vida! A cultura se modifica, prova disso são as variações culturais: em um país europeu, as pessoas tomam banho nuas, uma na frente da outra, sem problemas. Aqui, nós usamos fio dental, mas jamais ficamos nus na frente de um filho, sequer. A cultura pode inventar formas de convivência infinitas, mas a vida permanece, ela não depende da cultura. Se um asteróide cair na Terra e acabar com toda nossa cultura, ainda assim a vida não acaba! Temos que criar uma cultura que valorize a vida, esta coisa estranha e incompreensível. Temos que manter a vida incompreensível, mas respeitá-la em sua incompreensibilidade.

Porque não podemos tentar compreender? Não é isso que fizemos até hoje?

Compreender é tentar traduzir em linguagem e a linguagem reduz a 23 letras. Por mais que você queira expandir, há um dicionário com um número de verbetes fixos. Há muito mais afetos no mundo que o número de sentimentos escritos no dicionário. Quando seu sentimento não tem correspondente no dicionário, você fica mal, porque você sentea angústia, um sentimento sem nome. No entanto, qual é o problema de ter um sentimento sem nome?

O que falta, afinal, na maneira que vivemos a vida? Ou será que o problema da contemporaneidade são os excessos – de exigências, obrigações e necessidades que são criadas diariamente?

Nós sofremos de falta, não de excessos. A violência, o uso se drogas, são excessos que vêm da falta. Você tira tanto das pessoas hoje, exige que elas não falem alto, que sigam o tal modelo... Então o que sobra para elas? Nada! É quando explodem em violência. Temos uma quantidade de força que não dominamos. O excesso hoje é o transbordamento de uma coisa que não foi permitida a você viver. Lá na favela você tem o excesso e no jovem de classe média-alta, tem o niilismo.

Como podemos, afinal, identificar a “potência” da vida ou a falta dela?

No corpo. A vida é fenômeno físico, você vê nos olhos, quem tem vida tem raiva, tem alegria, ela está presente em sentimentos transbordantes, que às vezes são contraditórios. Identificamos a vida no corpo, por isso é que ele será abordado na próxima palestra, depois da palavra. A gente precisa desconstruir a palavra para a vida acontecer, depois trazemos a vida, que é orgânica, que é sinônimo do corpo. O que acontece é que substituímos o corpo pelo pensamento. Nós temos um pensamento castrador, excludente, que elimina a vida. Por exemplo, nós temos uma cabeça obesa e um corpo raquítico. Você anda pela rua como um amontoado de pensamentos, não sabe nem por onde está pisando. E outra coisa, quando eu falo corpo, não é só o seu corpo, é o corpo das coisas, dos prédios, das árvores, da cidade. Precisamos retomar o sensorial.

Então a vida é sempre explosiva, extrovertida?

Quando eu falo que a vida está no corpo, isso não precisa ser demonstrado em forma de explosão. A coisa mais linda do mundo é uma pessoa viva e contida. É de uma beleza singular, pois ela "explode" em um gesto mínimo. Por exemplo, quando você vê uma pessoa no palco, cantando, e ela faz um gesto com a mão e todo mundo pára no teatro. Isso é a potência da vida.

Qual é a relação da palavra com a verdade? A palavra ainda institui o que é verdade?

A relação que nós temos com a palavra é uma relação de verdade. Se eu digo “eu te amo”, você tem que incluir que amanhã eu posso não te amar. A palavra apenas comunica, ela não eterniza as coisas. O caráter de verdade da palavra cria uma exclusão muito grande é como se cada coisa que a gente dissesse, tivermos que assinar embaixo. Outra coisa, quando eu digo “eu te amo”, eu acredito que você sabe o que eu estou dizendo. Não! Se minha mãe me batia quando eu era pequena, amar, para mim, implica em bater.

Muitos filósofos da atualidade também são psicanalistas. Está se formando um novo campo de estudo que converge essas duas áreas de conhecimento?

Vou dizer uma coisa meio bruta, mas é verdade. Isso é produto da falência da psicanálise. Pois ela, sem saber para onde vai, está indo para a filosofia. A filosofia nunca soube para onde vai, mas como ela não implica em prática clínica, a filosofia pode ficar, elaé só pensamento. Já a psicanálise é uma prática, ela tem que ter uma ação, um resultado. Então, a psicanálise entrou em um beco sem saída, pois o modelo de homem que Freud descreveu muito bem, hoje não existe mais. Nós não somos mais Id, ego e superego, nossa estrutura psíquica mudou muito, então, o que a psicanálise tem que fazer? Para não abandonar sua prática, ela tem que fazer uma nova leitura do homem erever o modelo de homem que está construindo para se alimentar desta nova subjetividade...

Então a filosofia continua em alta?

Não, isso tudo não quer dizer a filosofia vai muito bem não... Mas eu acho, como psicanalista, que a melhor coisa que os psicanalistas podem fazer para ter uma boa prática clínica é estudar filosofia, pois ela é um motor, a psicanálise fica viva em contato com a filosofia, ela não precisa seguir um filósofo. A filosofia é o estudo do pensamento, ela tem um dado que é bacana, por exemplo, se eu for pensar o homem e tiver compromisso com a realidade, se tiver que atendê-lo como paciente, eu sou limitada, pois eu tenho que atender meu paciente para ele ficar bom. Para atendê-lo, eu tenho que criar uma coisa específica. O que é legal na filosofia, é que ela não tem compromisso com a realidade, por isso, ela pode delirar! E ao delirar, ela cria conceitos que a gente ainda não tem! Quando um pensamento se submete à realidade, ele é um pensamento aplicado à realidade, ele está sempre correndo atrás dela. Quando você está livre, não! Então a filosofia é quase como literatura.

Mas quando você diz que a psicanálise não explica mais o homem contemporâneo e a filosofia também não vai bem, na verdade isso não seria uma coisa positiva, tudo estaria se desconstruindo para criar uma outra coisa, que não é nem só psicanálise nem só filosofia?

Exato! A questão é a seguinte: o mundo mudou tanto que nenhum pensamento o acompanha. O que eu defendo é que não há um novo conteúdo de pensamento, há uma nova estrutura de pensamento. Antes, pensávamos opondo o bem e o mal, a dor e a alegria. O novo pensamento tem que incluir a dor, a perda, a mudança. É nova sensação, ele tem que incluir o corpo, o afeto... E o nosso pensamento exclui o afeto, a paixão, a contradição, a mudança... Com um novo pensamento, nasce um novo homem. Pensar é criar modelo e nosso modelo exclui a mudança, e um pensamento que não exclui mudança é mais ético.


O mundo saturado de informações, que nos bombardeia diariamente com tendências, sugestões e modelos, diminui nossa potência como máquina inventiva?

Completamente! Porque a criação é a potência do desconcertamento, onde tudo está estabelecido não tem invenção. Precisamos estar vazios para inventar e, para ter o esvaziamento, precisamos ter o transbordamento, tenho que transbordar vida, para me esvaziar e criar. É uma retro-alimentação. Em nossa sociedade, você agarra meia dúzia de merrecas que você adquiriu, que são os amigos, os valores, o seu namorado e acabou. Isso impede a invenção, a criatividade, a criação de novas subjetividades.


Fonte: http://cpflcultura.com.br/post/cafe-filosofico-entrevista-com-viviane-mose

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Friedrich Nietszche


Nietzsche em 1882

Não me recordo muito se foi a filosofa Viviane Mosé ou a Márcia Tiburi que deu a dica de queimarmos todos os livros de auto-ajuda e dar pra essas pessoas livros do Nietzsche... concordo plenamente. Na obra do velho bigodudo nos encontramos. Para uma melhor compreensão dos textos q irei colocar nada melhor q um pouco de sua biografia. Nas próximas atualizações irei colocar algo sobre a obra dessa figura peculiar




Vida e Obra

Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844 em Röcken, localidade próxima a Leipzig. Karl Ludwig, seu pai, pessoa culta e delicada, e seus dois avós eram pastores protestantes; o próprio Nietzsche pensou em seguir a mesma carreira.



Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó. Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e literária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.



Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis o filósofo Fichte (1762-1814). Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudos das instituições e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música.

Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886).

Richard Wagner



Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzsche lugar d "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane".


Cosima Liszt



Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.


O Filósofo e o Músico



Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos.

Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios.

Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor público". Ao mesmo tempo, esperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir à apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.

Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de freqüentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano".

Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche escreveu: "Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência".


Solidão, Agonia e Morte


Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto-renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso Wagner, Crepúsculo dos Ídolos, Nietzsche contra Wagner (1888). Ecce Homo, Ditirambos Dionisíacos, O Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte.

Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé.


Lou Andreas Salomé



Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente.




Lou-Salomé, Paul Ree e Nietzsche



Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra".


No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã.


Nietzsche e sua irmã, Elizabeth



Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador anti-semita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.


Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão. Em 1885, veio a público a Quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença. Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe respondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".


Nietzsche no manicomio de Jena

Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva". Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.


Nietzsche em seus últimos anos


O Dionisíaco e o Socrático



Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como conseqüência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.



Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.



Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte".



Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as idéias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.



O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha



A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das idéias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.



Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida".



Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.



A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso.



Os Limites do Humano: O Além-do-Homem



Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais".



Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem.



Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar".



Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.



Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados".



Uma Filosofia Confiscada



Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).



Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como conseqüência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza.



Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura européia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o anti-semitismo".



Para compreender corretamente as idéias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como conseqüência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".



O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.



Assim Falou Zaratustra



Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.



A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as idéias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da idéia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade".

Fonte: http://diacrianos.blogspot.com/2007/12/friedrich-nietzsche.html

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O vírus fascista

O vírus fascista


NUNCA ACREDITEI na "política". Sempre suspeitei de grande parte dos colegas na faculdade que tinham "consciência política". Muitos deles eram maus alunos que aproveitavam a "missão" de salvar o mundo para matarem as aulas. No cotidiano invisível das relações humanas, manipulavam os colegas para seus fins políticos. Evidentemente que alguns eram pessoas de boa fé.

Falas como "o pensar para o coletivo" sempre me pareceram modos sofisticados de servir a uma certa farsa. O "pensar para o coletivo" adora burocracias e autos-de-fé. Essas palavras são ditas contra quem é mais livre do que a "consciência política" gosta. O espírito coletivo detesta a liberdade. E a liberdade não é necessariamente bela.

Esse sentimento se revelou uma consciência filosófica diante do fascismo. Hoje sei que, como me disse certa feita o filósofo alemão Peter Sloterdijk numa conversa regada a vinho, charutos, cachimbos e um delicioso frango que sua esposa faz, "não se enganem, ninguém venceu o fascismo". E por quê?

O fascismo está inscrito na relação entre o Estado moderno e as tentativas de "construção política da vida correta e do bem-estar social". Por isso sua íntima e bem-sucedida relação com a propaganda para "conscientização das massas". Um exemplo de fascismo é o constrangimento do idioma pelo "politicamente correto".

O fascismo não é uma marca restrita de Mussolini, Fidel Castro, Stalin ou Hitler. Essa é sua versão totalitária. O fascismo é um traço da sociedade moderna na "sua forma de construir um mundo melhor" por meio da máquina do Estado e das políticas públicas que moldam os comportamentos.

Explico-me: quando o coletivo age moralmente, ele é sempre fascista. Não importa se seus representantes são eleitos ou impostos diretamente pela força. O poder, às vezes desastroso, criado pela ciência e pela técnica é vastamente investigado pela história. A crescente burocracia do Estado moderno merece a mesma "desconfiança" porque ela parece querer controlar os mínimos detalhes da vida, distribuindo o "Bem". Não sabemos o que é "o Bem", por isso devemos conviver com práticas diversas "dele". Entre a ciência, os tribunais, os sistemas de comunicação e de controle burocrático, a liberdade desaparece quando o Estado se faz "agente moral".

A soma disso nos leva ao controle dos comportamentos. Há sempre uma relação explosiva entre a intenção de eficácia social e o risco fascista. Quando a política vira moral, estamos diante desse risco. O Estado hoje entra na sua vida na velocidade da luz. O próximo passo é entrar na sua alma, na sua cama, no seu amor, na criação dos seus filhos, na sua fé e na sua boca. O governo não deve fazer cartilhas "éticas".

Aléxis de Tocqueville no seu magistral livro "Democracia na América", antídoto contra a fé cega na democracia, nos chama a atenção para os "detalhes da liberdade". Defendemos mais a liberdade quando impedimos que o governo entre no cotidiano das pessoas (família, escola, igrejas, sentimentos, virtudes e vícios) do que quando definimos "A Liberdade" em grandes idéias ou políticas públicas.

Quanto mais "cega" é a política para os detalhes da vida, menos perniciosa ela é. A tendência à "tirania dos detalhes" é típica do Estado democrático porque ele se acha um representante legítimo das pessoas (a maioria o elegeu), por isso pensa que deve "definir" o cotidiano delas. Seu modo de legitimação produz sua forma de tirania invisível.

A mania pela saúde, pelo bem comum, pela igualdade, pelo novo, pela construção social de hábitos saudáveis de vida, o ódio à religião (competidora do Estado moderno pela educação das almas) são paixões ancestrais do fascismo. Típico do espírito fascista é seu amor puritano pela "humanidade correta" ao mesmo tempo em que detesta a diversidade promíscua dos seres humanos. Por isso sua vocação para idéia de "higiene científica e política da vida": supressão de hábitos "irracionais", criação de comportamentos "que agregam valor político, científico e social".

O imperativo "seja saudável" pode adoecer uma pessoa. Na democracia o fascismo pode ser invisível como um vírus. Quer um exemplo da contaminação? Votemos uma lei: mesmo em casa não se pode fumar. Afinal, como ficam os pulmões dos vizinhos? Que tal uma campanha nas escolas para as crianças denunciarem seus pais fumantes?

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.

sábado, 20 de junho de 2009

Jürgen Habermas, 80 anos


"A lava do pensamento em fluxo", esse é o nome de uma exibição na Biblioteca Nacional em Frankfurt sobre a obra do filósofo alemão Jürgen Habermas, que completou 80 anos ontem. De fato, poucos pensadores contemporâneos podem ser comparados a um vulcão. Habermas é um deles não só pela extensa obra, mas também por uma postura aguerrida nos debates políticos e acadêmicos dos últimos 50 anos.

Desde o final da Segunda Guerra, em uma Alemanha dividida e ainda sob um longo processo de "desnazificação", Habermas emerge como uma figura pública, um "intelectual orgânico", que se encarrega de combater os adversários e obstáculos do que ele considera ser o caminho à maior democratização e emancipação social. Nesse sentido, ele é o antípoda de um certo pensamento decisionista que encontra seu melhor representante em Carl Schmitt.

Ao longo da segunda metade do século XX, Habermas também debateu com praticamente todos os intelectuais de peso. Na Alemanha, tomou parte na "Historikerstreit" (querela dos historiadores), sobre a interpretação histórica do nazismo. Nas discussões no campo da filosofia e da sociologia, tanto no resto da Europa, quanto nos Estados Unidos, sua lista de interlocutores inclui nomes como Derrida, Luhmann, Gadamer, Rawls, Taylor e por aí vai.

Ontem o jornal Süddeutsche publicou um excelente artigo de Charles Taylor, que faz um apanhado do que é mais ou menos o pensamento de Habermas. Além disso, o Frankfurter Allgemeiner Zeitung publicou também um artigo interessante de caráter mais biográfico, e o próprio Instituto de Pesquisa Social (a tal "Escola de Frankfurt") editou uma publicação para celebrar o aniversário.

É muito difícil resumir as várias facetas da teoria habermasiana em tão pouco espaço, como atesta Taylor. Mas, baseado um pouco no artigo publicado no Süddeutsche, vou tentar fazer um breve esboço aqui.

Em primeiro lugar, Habermas diferencia-se de uma tradição iniciada por Platão e Aristóteles e que busca responder questões de ordem moral a partir de uma visão da natureza humana. Isso torna-se problemático à medida que nos damos conta de que explicações baseadas em uma noção de natureza humana adotam sempre uma perspectiva metafísica. Em outras palavras, quando nos questionamos se uma lei é justa ou não, apelar à ideia de que os homens são, por exemplo, bons e suas ações boas (e, portanto, as leis feitas por eles são justas) não passa de uma generalização muito subjetiva. Como é possível então fornecer uma explicação ou um critério de validade mais objetivo?

Habermas tenta responder essa pergunta a partir de uma ideia de racionalidade baseada em processos dialógicos. A ideia de procedimento é emprestada de Kant. Pense, por exemplo, no tipo de ética implícita nos "Dez Mandamentos". Há duas tábuas com um conteúdo pré-determinado, dado, o qual devemos obedecer. Kant, ao contrário, formula um "procedimento" que não pretende fornecer, de antemão, nenhum conteúdo: "age somente segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal". Ou seja, ao agir devemos nos guiar por uma "lei" que possa ser também escolhida por todos.

Habermas modifica esse imperativo a partir dos estudos no campo da linguagem e o reformula em termos de um procedimento discursivo. A fim de saber quais normas são aceitáveis, precisamos seguir um procedimento segundo o qual serão válidas apenas aquelas normas cujas justificativas (isto é, as "razões" pelas quais devemos obedecer) puderem ser aceitas por todos os concernidos, ou seja, todos os afetados pelas normas.

A essa mudança de paradigma no campo da filosofia corresponde também uma mudança no campo da cultura política. Como afirma Taylor, isso ocorre através de uma "Renascença do Diálogo". Ainda segundo ele: "O feminismo, o multiculturalismo, o movimento gay e, não menos importante, os conflitos sobre identidade e reconhecimento mostram como concepções tradicionais de sociedade e política estão baseadas na exclusão tácita de minorias". Partindo desse diagnóstico, a teoria de Habermas busca oferecer uma maior abertura e inclusão de diferentes concepções de vida boa, visões de mundo etc. Em resumo, como as normas estão abertas àquele procedimento de justificação a partir da deliberação, é possível em tese levar em conta as diferenças. Algo que seria impossível caso estivéssemos presos ainda a uma concepção específica e unívoca de natureza humana.

Apesar de ambicioso, o projeto habermasiano é hoje um grande plano executado por uma imensa "força-tarefa" envolvendo grupos de pesquisa em todo o mundo, abrangendo áreas que vão da sociologia à política, passando pelo direito. Talvez não vejamos mais surgirem figuras com a mesma dimensão e importância de Habermas por aí. Segundo a professora Nancy Fraser, aqui da New School, a obra de Habermas é uma espécie de "one-man show". Daqui por diante teremos sim diversos grupos e coletividades de intelectuais dando continuidade a não uma, mas várias teorias críticas.


Fonte: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/juergen-habermas-80-anos

Escuta Essa! – "A crise é do Senado"; a mosca é do Obama




Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/2009/06/20/04023566CCB14346.jhtm?escuta-essa--a-crise-e-do-senado-a-mosca-e-do-obama-04023566CCB14346

domingo, 14 de junho de 2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Se te Queres


Álvaro de Campos

Se te Queres

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te...
Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão...
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,
Quando não são de coisas nossas,
Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,
Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda
Do mistério e da falta da tua vida falada...
Depois o horror do caixão visível e material,
E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.
Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,
Lamentando a pena de teres morrido,
E tu mera causa ocasional daquela carpidação,
Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...
Muito mais morto aqui que calculas,
Mesmo que estejas muito mais vivo além...
Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,
E depois o princípio da morte da tua memória.
Há primeiro em todos um alívio
Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...
Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,
E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste.
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...
Se queres matar-te, mata-te...
Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ...
Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera
As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?
Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.
Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjetividade objetiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?
Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente,
Torna-te parte carnal da terra e das coisas!
Dispersa-te, sistema físico-químico
De células noturnamente conscientes
Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos,
Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,
Pela relva e a erva da proliferação dos seres,
Pela névoa atômica das coisas,
Pelas paredes turbihonantes
Do vácuo dinâmico do mundo...

Lisbon Revisited


Álvaro de Campos
Lisbon Revisited
(l923)


NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!